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Orgulho trans

Um soldado trans na guerra civil norte-americana

Pessoas transgêneras estão presentes nos exércitos ao redor do mundo. Somente na guerra civil norte-americana há registros de pelo menos 400 pessoas LGBTQIA+ que se alistaram nos dois lados do conflito. Albert Cashier é um deles.
27/03/2022 07:00
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A guerra civil norte-americana conta com 400 casos documentados de pessoas LGBTQIA+ que lutaram nos dois lados do conflito. Muitas podem ser consideradas hoje pessoas trans masculinas. A mais famosa foi o soldado Albert Cashier.

Ainda no seu gênero de nascimento, saiu da Irlanda e foi para os Estados Unidos – nascera no natal do ano de 1843. Qual terá sido o impacto quando seu tio forçou que aquela menina se vestisse de menino para trabalhar em uma sapataria masculina?

A partir de algum momento, passou a apresentar-se como Albert Cashier e executou diversos trabalhos agrícolas. Aos 19 anos, tendo testemunhado o esforço pela guerra na localidade onde vivia, atendeu ao chamado de Abraão Lincoln por mais 300.000 soldados, e se alistou na companhia G do 95º regimento de infantaria de Illinois. Poderia ter escolhido a cavalaria? Foi lutar a pé.

Não sabia ler ou escrever, e assinou seu alistamento com um “X”. Sua subnutrição era comum naquela época. Seus 160 cm de altura não foram impedimento para ingressar na força e por alguma razão passou no exame médico (pode ser conjeturado que foi realizado apenas com um, literal, olhar de cima para baixo, com roupas).

Preferia o isolamento e banhava-se sozinho. Foi considerado bom soldado, excelente atirador (um “sniper”?) e sem receio do fogo inimigo. Lutou em mais de 40 batalhas, andou por mais de 14 mil quilômetros (a pé ou de barco), foi feito prisioneiro e escapou após espancar que o vigiava até a inconsciência. Seu regimento foi desmontado em 1865, após perder 289 soldados (ou por feridas ou por doenças) e 3 anos e 11 meses de serviço.

Albert contraiu diarreia crônica, foi hospitalizado, e novamente sua anatomia feminina não foi descoberta.

Após retomar a vida civil, executou diversos trabalhos na cidade onde morava (fazendeiro, jardineiro, manutenção cemitério, manutenção das lâmpadas na rua), e chegou a trocar serviço por moradia na residência de uma família. Esta construiu uma residência para ele.

Aos 46 anos (foi dispensado da infantaria em torno dos 24 anos de idade) iniciou o processo para conseguir pensão como veterano, mas não o completou, por ser necessário exame médico. Apesar deste, a conseguiu, após os 64 anos de idade, sem que sua identidade fosse revelada.

Nesta etapa, compartilhava refeições com uma família amiga. Foi cuidado por ela quando adoeceu, e esta, descobrindo seu gênero de nascimento, não o revelou.

Aos 67 anos de idade, enquanto prestava serviços a um senador estadual, foi por ele atropelado enquanto o carra andava de ré, com fratura da perna. A equipe que o atendeu, assim como o senador, tomaram conhecimento do segredo, mas o mantiveram. Afinal, Albert tinha uma pensão estatal enquanto do gênero masculino e havia votado em diversas eleições – mulheres não votavam. Portanto, ele estava sujeito a processo por fraude eleitoral.

Cashier ficou com sequelas após o acidente e em 1911 foi admitido em uma residência para ex-soldados, onde sua condição foi respeitada e não revelada. Dois anos depois foi transferido para uma instituição psiquiátrica por um quadro inicial de demência. A questão foi parar na imprensa e a história “sensacional” foi a público.

O governo iniciou um processo por fraude, com vistas a obtenção ilegal de pensão.

Apesar do reconhecimento oficial, a instituição psiquiátrica conseguiu impor a Albert, após algum tempo, roupas femininas. Graças a elas, tropeçou, caiu e fraturou a bacia, ficando restrito ao leito até a sua morte, aos 72 anos de idade. Foi enterrado com honras militares, com uniforme de soldado.

@eduardoribeiromundim

eduardo@medicinaeciencia.med.br

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