Obs G parceiro UOL 2
MÚSICA

As questões de gênero levantadas por Gilberto Gil em famoso álbum dos anos 70

09/08/2024 17:08
COMPARTILHE
O cantor e compositor Gilberto Gil.

O cantor e compositor Gilberto Gil.

O disco “Realce” de 1979 trouxe em duas canções temas e personagens que subvertem as noções tradicionais e binárias de gênero.

“Realce” é o álbum que encerra a trilogia do “Re” de Gilberto Gil, iniciada pelos álbuns “Refazenda” de 1975 e “Refavela” de 1977.

Deste emblemático último disco da trilogia, comentaremos duas canções bastante caras ao nosso tempo.

Em “Super-Homem, a Canção”, Gil nos delicia com o lirismo de uma letra que põe em xeque a ideia de uma divisão radical e cristalizada de gênero, pois, segundo a composição, a “porção mulher” que existe nele, o poeta e, por conseguinte, em todos os homens, é a faceta que o faz viver, entendendo aqui a vida como um movimento dialético que une, muitas das vezes, elementos contraditórios que se alimentam de modo simbiótico.

A inspiração pra compôr esta obra-prima veio de uma conversa que teve com Caetano Veloso, na qual o amigo narrou as impressões que teve do filme “Super Homem” de 1978, dirigido por Richard Donner.

A cena narrada por Caetano que mais chamou a atenção de Gil foi aquela na qual o Super Homem inverte a rotação da Terra para fazer o tempo retroceder e devolver à vida a namorada que havia morrido num acidente.

Já na belíssima canção “Logunedé”, Gil faz uma reverência ao fascinante orixá filho de Oxum e Oxóssi, que passa metade do ano caçando com o pai na sua vertente masculina e a outra metade do ano no rio com a mãe, vivenciando sua faceta feminina.

Logum Edé aparece em muitas imagens com dois objetos que herdou dos pais: o ofá, arco e flecha que herdou do pai para caçar e o abebé, espelho que recebeu da mãe, onde se mira.

A androginia de Logum Edé é bastante complexa pra ser entendida por uma cultura como a nossa, herdeira de uma cosmovisão eivada por valores da tradição judaico-cristã, que, por vezes, nós reproduzimos involuntariamente.

Há, porém, uma lenda bastante interessante associada à Logum Edé, que nos conta da dificuldade que ele tinha de visitar sua mãe, Oxum, pois ela morava no palácio das aiabás, as rainhas de Xangô, onde era vetada a presença de homens. Por essa razão, Logum Edé muitas vezes se vestia com as roupas da mãe para garantir o acesso ao palácio e ficar próximo dela.

As canções de Gilberto Gil sempre abordaram os mais diversos temas com a qualidade estética que singulariza a obra dele dentro desse vasto universo poético que é a música popular brasileira.

Por ser um dos primeiros compositores que nos fez pensar acerca dessa divisão de gênero arbitrária imposta pelos setores mais conservadores da nossa sociedade, Gilberto Gil merece nossos aplausos e reverências.

Viva, Gilberto Gil!

Assuntos

Mais notícias do autor

“Sinto orgulho das mulheres e da população LGBTQIAPN+”, declara Marina Lima, ícone da música brasileira, em entrevista exclusiva
MÚSICA

“Sinto orgulho das mulheres e da população LGBTQIAPN+”, declara Marina Lima, ícone da música brasileira, em entrevista exclusiva

A cantora e compositora Marina Lima nos contou com exclusividade nesta entrevista imperdível algumas das passagens mais emblemáticas de sua carreira, além de nos prestigiar com algumas informações preciosas sobre a sua formação musical e o processo criativo de suas obras. Marina Correia Lima nasceu no Rio de Janeiro em 17 de setembro de 1955, […]
MÚSICA

"Mulheres, em geral, estão sempre se posicionando e lutando”, declara Simone, ícone LGBTQIAPN+ da música brasileira, em entrevista exclusiva

Simone, uma das maiores estrelas da música popular brasileira, nos concedeu com exclusividade uma entrevista imperdível na qual ela fala sobre alguns dos momentos mais emblemáticos de sua carreira musical. Simone Bittencourt de Oliveira é baiana de Salvador, mas adotou o Rio de Janeiro como sua cidade há mais de 40 anos. Ela sempre esteve […]
MÚSICA

"O meu trabalho traz credos e afetos desafiantes", declara Cátia de França, ícone LGBTQIAPN+ da música brasileira, em entrevista exclusiva

A cantora, compositora e multi-instrumentista Cátia de França nos contou algumas das passagens mais emblemáticas de sua exitosa carreira musical numa entrevista imperdível. Cátia traz em sua bagagem uma história de muitas lutas que jamais podem ficar adormecidas. Ela é mulher, artista, negra, lésbica, nordestina e candomblecista. Carregar essas identidades num país como o nosso […]
O crossdressing em uma famosa composição de Assis Valente imortalizada na voz de Carmen Miranda
MÚSICA

O crossdressing em uma famosa composição de Assis Valente imortalizada na voz de Carmen Miranda

O samba-choro “Camisa Listrada” do compositor baiano Assis Valente, que se tornou um clássico na voz da pequena notável Carmen Miranda em 1937, trazia em sua letra uma tensão entre um marido que expressa a própria feminilidade durante o carnaval e sua mulher que teme a repercussão negativa desta performance perante uma sociedade ultraconservadora. Antes […]
“Sou lésbica! Meus pais me criaram sabendo disso e me respeitaram”, declara Angela Ro Ro, ícone da música popular brasileira, em entrevista exclusiva
MÚSICA

“Sou lésbica! Meus pais me criaram sabendo disso e me respeitaram”, declara Angela Ro Ro, ícone da música popular brasileira, em entrevista exclusiva

Angela Ro Ro, sempre esbanjando bom humor e generosidade, nos contou algumas das passagens mais emblemáticas de sua carreira musical nesta entrevista imperdível, publicada neste 02 de agosto, o mesmo dia do lançamento do single “Cadê o Samba?” nas plataformas digitais. Angela Ro Ro, nascida Angela Maria Diniz Gonsalves, é uma daquelas artistas cuja obra […]
linkedin facebook pinterest youtube rss twitter instagram facebook-blank rss-blank linkedin-blank pinterest youtube twitter instagram