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Testemunho

Um LGBTQIA+, dois padres e o diabo insatisfeito

a ação de dois sacerdotes, suas diferenças e frutos
14/06/2022 14:03
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Prédio do condomínio de casal LGBT que foi obrigado a retirar cortina com as cores do arco-íris

Prédio do condomínio de casal LGBT que foi obrigado a retirar cortina com as cores do arco-íris (Foto: Reprodução/Vice)

Esta é uma pessoa anônima. Seu nome existe, mas não é importante para sua história. É uma pessoa de orientação homoafetiva. Ou, no popular, gay. Mas representa todas as identidades inclusas na sigla LGBTQIAP+. Ela compartilhou com um dos envolvidos a seguinte história. Uma parte da sua vida.

O início

Foi criada dentro da igreja. Não somente criada. Aquele local era sua segunda casa. Era seu ponto de referência. Fazia parte de sua identidade. E não estava sozinha. Sua mãe tinha participação ativa nas atividades.

A partir de certo momento, a orientação homoafetiva surgiu. Ela não detalhou como que as pessoas da comunidade a identificaram. Mas perceberam. Não era possível esconder sua identidade LGBTQIAP+. O padre também ficou sabendo.

Será que a mãe, com preocupações habituais, buscou orientação naquela igreja? Para compreender que universo era esse, desconhecido para ela? Ou buscou para saber se havia algum pecado em pertencer a ele? Quem sabe buscou para participar da luta do seu filho pelo direito de ser feliz?

O Meio

Qual seriam os textos bíblicos daquela missa? A data do calendário litúrgico? Cada dia tem passagens bíblicas pré-determinadas, que inspiram o sermão. Houve um que foi duro. Por alguma razão o padre o olhava nos olhos (sim, ele estava tão em casa que ficava próximo do altar). Enquanto lhe fitava as pupilas, com sua autoridade, ensinou: tem demônio! Pessoas LGBTQIAP+, endemoniadas que são, pecam! Quanto maior a duração da vida, maior a quantidade de pecados. Talvez para abreviar o tempo de purgatório, ou escapar do fogo do inferno, seria melhor que a vida fosse curta.

O pároco não estava sozinho. Quem o ouvia demonstrava crença no que escutava. A cada afirmativa, balançar comunitário de cabeças. Será que constrangidas? Sofridas? Solidárias com o destino pintado a partir do púlpito?

A situação estava bem clara. O diagnóstico estava feito. O tratamento… Bem, não estava na prédica. Mas esta permitia uma única conclusão. Se o demônio era o culpado daquela identidade… Se habitava aquele corpo…

Saiu da igreja com o endereço certo na mente. Aquele prédio com quase 20 andares fornecia uma altura adequada. Que corpo sobreviveria à queda? Decidido o tratamento, marcar a data. Neste dia, bilhete dirigido à família na mochila, se pôs a caminho. O que a carta dizia? O que eu teria escrito?

O amigo foi encontrado no ônibus. Um convite saiu do nada:evento na PUC. Como o dia era longo, a universidade no caminho, foi conferir. À tarde um padre iria falar. O tema, parece que caiu no esquecimento, porque deixou de ser importante. Criado na sacristia, ouvir um sacerdote naquele momento de cura parecia adequado.

O Fim

Seus olhos não foram buscados pelos olhos do palestrante. A fala não lhe era dirigida. Mas foi como se fosse… Não havia pecado a apagar! Não havia diabo a exorcizar! Não havia razão pela qual morrer!

Qual o destino do bilhete? Desconhecido. Será que algum dia passou por aquele prédio?

Entrou em contato com aquele Sacerdote – sim, com S e não com s. Contou sua história, esta história. Que incentivou uma militância.

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