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Educação Básica

T em LGBTQIA+: o que é?

Quem são as pessoas simbolizadas pela letra T na sigla LGBTQIA+?
Bandeira

Bandeira LGBTQIA+

Quem é o proprietário de uma palavra? Quem define o seu significado? A rigor, quando um termo começa a ser utilizado, a compreensão sobre ele pode, e frequentemente vai, se modificar com o tempo (mesmo que este seja contado em séculos). E o uso repetido no mesmo contexto tende a apagar outros significados. Por exemplo, o verbo exterminar. Uma consulta ao aulete digital mostra três diferentes concepções: destruir totalmente e, muito próximo, eliminar, extirpar; mas também expulsar dos limites, banir, desterrar.

Pessoa transgênera já foi definida como aquela que não se identifica com o sexo que lhe foi atribuído ao nascer. É um conceito simples, direto, mas também inocente, simplório. Confunde a genitália externa com o gênero da pessoa (assunto para outra postagem). A associação norte-americana de psiquiatra compreende o termo como um recurso “guarda-chuva”: abarca as pessoas que, ao contrário do que era esperado pela genitália vista ao nascer, não se identificam com o gênero a ela associado e / ou não se comportam da forma socialmente esperada para as pessoas com aquela característica. Expresso de uma forma sofisticada, a identidade de gênero não se conforma com as expectativas sociais.

Esta é a característica que distingue o “T” do L, do G e do B. Estas têm o gênero, masculino e feminino, firmemente atrelado ao genital. O que as distingue é o interesse afetivo sexual. O cerne da definição do transgênero é não poder aceitar que a presença de um falo obrigue a ser unicamente de um gênero e sua ausência unicamente a ser do outro gênero. Ser “T” é dizer não ao conceito de que há somente dois gêneros.

Uma questão ideológica? Uma ideia plantada por filósofos desocupados que querem exterminar (no conceito usual) a tradicional ideia de família? Esta postura é bandeira de segmentos religiosos de cunho conservador, e de políticos que deles se alimentam e, talvez, os parasitem. Contudo, a história e experiência clínica demonstram que os fatos são diferentes. Quando muito, filósofos trabalharam (e trabalham) fatos que testemunharam, e procuraram (e procuram) compreendê-los. Esta tentativa de compreender o inesperado ligado à sexualidade é inconcebível para aqueles grupos religiosos. Se forem cristãos, vão defender o caráter pecaminoso e antidivino das pessoas trans, que, se dessem ouvidos ao Evangelho, deixariam este caminho de lado.

O testemunho da história vou adiar para outra postagem. Mas o clínico apresento agora. No meu trabalho de acompanhamento de pessoas transvestegêneres (termo que prefiro...não vou dizer novamente “...outra postagem”) pelo SUS em Belo Horizonte vivenciei a seguinte experiência. Uma psicóloga que trabalha em um dos micromunicípios do estado (são 853 no total – um número razoável depende de verbas que não têm para custear a própria sobrevivência) trouxe um rapaz de 18 anos para consulta. Ela o conhecera quando trabalhava em uma escola rural. Mas o conhecera enquanto aluna! A psicóloga teve que se ausentar por alguns anos e retornou àquela escola em uma festa. Nela, um rapaz a abordou e perguntou: “lembra-se de mim? Eu era a fulana, agora sou o fulano”. O que é elucidativo neste caso é que este rapaz trans jamais tinha deixado a zona rural, jamais tinha acessado a internet, e televisão não fazia parte do seu cotidiano. Mas em determinado momento de sua vida, percebeu-se, e foi aceito pela comunidade onde vivia, como um rapaz, não como a moça filha do casal tal. Quando foi trazido a Belo Horizonte é que o conceito de transgênero lhe foi apresentado.

A experiência de toda a equipe do “ambulatório trans” do Hospital Eduardo de Menezes é a mesma: ser transgênero não é uma escolha, é característica congênita, sem causa definida (aliás, pergunto a você: qual é a causa de você ser uma pessoa cisgênera – ou seja, não trans?). Praticamente todas as pessoas trans levaram anos a compreenderem o que “havia de diferente” com elas. Nâo é incomum, mas não acontece com todas as pessoas, confundir-se como pessoas homoafetivas por se sentirem atraídas pelo mesmo espectro de gênero, mas isso não explicava porque chamadas Ritas gostavam de carrinhos ou chamados Mários gostavam de bonecas. E a lembrança recuava até mesmo antes dos 5 anos de idade…

Quantos “Ts” você conhece?

@eduardoribeiromundim

eduardo@medicinaeciencia.med.br

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